sexta-feira, 21 de maio de 2010

Um pássaro, hoje, morreu enforcado num fio de eletricidade, no cruzamento da Rua dos Pinheiros com a Rua Capitão Antônio Rosa, por volta das sete da manhã. Eu, que vinha andando com olhos fundos querendo voltar para a cama, lacrimejando por causa do vento frio da manhã, e um pouco pelo ar sujo dessa cidade, que é ácido nos olhos, me deparei, num salto, com essa cena incomum.
O pombinho pendia do fio elétrico entre dois postes, amarrado no pescocinho por um outro fio bem mais fino, as perninhas torcidas e encolhidas com agonia, um asa recolhida, e a outra, meio despenada, balançando molemente.Ventava, e o vento fazia o pombo balançar como um pêndulo. 
Numa avenida de asfalto, era só mais um ponto cinza, ainda que destoasse. 
Gastei um tempo supondo motivações para que um pombo terminasse, ou melhor, começasse o dia desesperadamente morto e  dependurado num fio elétrico da capital.Teria sido enforcado, o bichinho?
Macumba, talvez.
Não sei.
A verdade é que aquilo bateu fundo no fundo do meu estômago. Eu, que não exatamente pertenço a essa cidade suja, me acostumei à vida de metrópole carregando um passarinho, que é meu, para todo o lado.Escondido dentro da minha garganta, o passarinho vive me pedindo, num cantar tristinho, que o leve de volta às árvores da nossa cidade. Quer ver o verde verdadeiro de lá, quer voltar para poder voar sem medo, e me suplica com pios que só eu escuto, e que me consolam da tristeza de estar só como nenhuma outra coisa que conheço o faz.
A gente pensa: tudo bem, eu aguento esse mundo traidor. A gente esconde um canário ou um pardal dentro da garganta, mesmo ele se sacudindo todo, querendo sair, bicando e arranhando com as unhas. A gente acha que ele está a salvo, mas sempre existe alguém para enforcar um pombo que seja e exibí-lo, cadáver, em praça pública.
Eu, que venho andando, paro. Olho o pobre bichinho, exposto aos bravos cidadãos trabalhadores e apressados, e o meu passarinho, até agora preso em mim, dá um berro de dor, se agita, me arranha, sacode as asas e voa como um louco para fora da minha boca. Sabe-se lá para onde vai, mas deixa meus olhos cheios da água tão suja das calçadas, alcança os ares que o empurram para o alto, e some, longe, longe, no cinza amarelado do céu.


2 comentários:

  1. Ainda que em meio ao capitalismo selvagem, acredito que o campo, a mata, enfim, a fauna e a flora, sejam a melhor selva para se viver em paz. Os pombos são somente essa triste metáfora...

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