segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

De uma história que me contaram e eu quis contar.

Dele ela sabia muito pouco, o que se sabe da novela, da música, do romance, e ainda não parece ser suficiente para compreendê-lo totalmente.O amor dificilmente se nos revela, e quando o faz, não repete a vestimenta.Nena o via sob a luz de uma mesma vela, e se esquecia de que mesmo sob essa luz constante só alguns olhos muito astutos, às vezes muito cansados de olhar para a luz,  percebem uma pinta ali, uma cicatriz lá, e  finalmente  o reconhecem em seu melhor disfarce, tomando-lhe, vitoriosos, o chapéu e o falso bigode.
Nena não podia saber, ninguém realmente sabe, em que momento mais trivial é preciso procurar por ele e talvez correr o risco de nunca  conseguir despi-lo, definitivamente, da  fantasia elaborada que veste.
O momento em questão não era lá muito trivial, já que uma cotidiana conversa entre dois amigos que não se vêem a muito tempo tomou formas diversas quando o garoto resolveu contar para a Nena, que lembrando-se dela um dia, de repente, compôs música e letra, e contou nos versos a sua história de menina de Minas, que nunca tinha visto o mar.
Nena sabia do mar o que se sabe pela tevê, pelo filme no cinema. Do mar não sabia a cara que não pudesse ser registrada pela câmera, ou o tamanho que não coubesse na fotografia.Não sabia da brisa tão úmida que quase cola na pele, do cheiro de peixe vindo do revirar das ondas, do gosto de sal na garganta e nos olhos.
Sentado no sofá, violão no colo, ele pensou em versos, notas, cadências e rimas, e então, construiu uma Nena que molhava os pés na espuma, sentava na areia e brincava como criança meio boba, deixando pegadas.Ele não a via há tempos, mas vinha lembrando, em momentos, assim quase de repente, da sua figura, e sem explicação, recordava-a.
Onde anda Nena?
Ela gostava de cavalos, eram cavalos?Isso mesmo, cavalos.Ela não conhecia o mar...Minas Gerais tem cavalos, só não tem mar...Cavalos correndo livres na praia, e a Nena correndo com eles, quem sabe...o cabelo se enrolando no vento, se encharcando de brisa.
Ela achou muito esquisito um garoto dizer que compusera uma canção com seu nome. Parecia lisonjeada e feliz, mas só depois, por brincadeira do Tempo talvez, não quis mais aparecer pelas mesmas bandas.
E ele a guardou na canção, e lá ela ficou suspensa entre som e silêncio.
Soube-se depois que Nena de fato pôde conhecer o mar, que então pareceu a ela muito diverso do que ela imaginara olhando fotografias, havia lá algo de mistério que apenas as ondas conseguem contar, cantando, e só é possivel sentir sob o sol forte e a brisa molhada e fresca da praia.Revelava-se ali, alguma coisa que voltou para Minas sem muitas explicações, mas voltou devidamente compreendida por ela.
Sobre a canção, o que pode ser dito é que era mais um daqueles disfarces, que a Nena não tentou ou não soube reconhecer.



Para ouvir:

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

poema saído da cama

No momento em que me encontro
não me acho
entretanto, faço
de conta que sigo
em falso
meu passo
não mais que um tropeço
revela
no fim
que estou no começo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

No fundo do copo
a palavra espera
há o medo invencível
da possível entrega
a palavra me foge
o tempo aperta

Nas curvas do verso
a caneta é cega.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Aqui me perco entre palmeiras-imperiais, cachorros vira-latas, uma ocasional carroça e um ocasional cavalo.
Penso no lá.
A chuva lá é óleo díesel, o ar é pó. Penso no preto e branco de lá, entre os dois, mil tons de cinza, salvo uma árvore tímida teimando em deitar suas folhas sobre o asfalto quente.
O lá me comove com seu mistério de tudo.
O aqui me mantém pelo conforto de colo.

E vivo entre um e outro mundo.