terça-feira, 16 de novembro de 2010

O amor vai no passo de um boi
balançando ancas ossudas

e só ousa o leve trote quando à beira de um rio
a sede pede pressa

de resto, é o dia sendo
o capim nascendo a alegria

da vida mais limpa
nos pretos molhados olhos.

domingo, 19 de setembro de 2010

Hoje vai algo diferente: a primeira vez em que eu de fato participei de uma música. Começou lá em casa, em cima do tapete do meu quarto, eu ,o Aluísio (meu amor, que faz música como quem sorri!) e um violão. A música é toda dele, mas a letra se fez de muitas risadas nossas e momentos de surpresas com as palavras,as vezes minhas, às vezes dele. Não tem jeito de colocar a melodia, mas a letra ( para um blogue cheio de "letras" tá bom, não é?) eu posso colocar. E vai:

PRECE

Dançam as folhas no vento
Vem toda hora pousar
Nas nossas mãos
ver de pertinho
passarem horas no ar

Passarim quer fazer o seu ninho
longe do vento feroz
escolhe o galho
verde, novinho
canta, que o tempo é veloz

O anoitecer
vem de mansinho
escurecer
sem esperar

Pede pra Deus
reza baixinho
pro sol nascer o amanhã devagar.
Faca carne loucura não são minhas
só tenho a gotinha fria
do alto da ponta da torre se evapora
qualquer eco surdo na neblina 
e toda gota reverbera
cada parede inútil que ainda assim abriga
o musgo, cada poema
tentando se alimentar do mais concreto 
e torná-lo verde.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Garoa fina na rua

aqui  tempestade de três horas sem trégua
um charco
toda água do mundo escorre dos prédios 
lambendo janelas
espero os sapos invadindo o apartamento.

Já faz tempo eu não chovo.

domingo, 6 de junho de 2010

Não havia motivo de lágrimas.
Talvez até houvesse motivo, mas a água de dentro dos olhos não saía mais, ficara empoçada no fundo.Ela conseguia sentir, no começo, uma onda quente subindo pelo peito, passando apertada pela garganta, rompendo caminho pelo dentro, para procurar saída. Porém o rosto ficava vermelho, e ela timidava (a garganta segurava um bolo doído de vontade de chorar, que ficava só vontade).
A emoção ainda se fazia forma concreta, e vinha anunciada, nesse tempo de antes, bem antes de o tempo se arrastar insensível e a constante falta de coragem se transformar em falta de todos os motivos para permitir as lágrimas lhe lambendo o rosto livremente.
Um dia se deu conta disso: " Não sei mais como se chora".
E se pudesse, teria chorado por essa constatação.
É um bocado mais confortável não se romper em momentos de efusão sentimental, principalmente em público.As pessoas geralmente têm essa necessidade de tratar qualquer gotinha que sai dos olhos como motivo para consolar quem quer que seja, mesmo se nem toda gota que pinga do tal canalzinho lacrimal for filha de um grande problema.Lágrimas desconcertam.
Um dia ela conheceu um moço que chorava muito. Invejava, de certo modo, como ele conseguia jorrar a alma para o lado de fora da pele do rosto, sem fazer força alguma.Não era só o choro em si, mas toda a sua maneira de ser que era assim, verdadeira, cheia de curvas e canteiros de flores.
Ela não sabia bem de nada disso.Costumava ser bem mais seca, e exibia uma casca de expressão imutável, acima de qualquer suspeita de que sua alma se enrolava toda do lado de dentro.
Um dia ele a abraçou.
E ela sentiu de novo aquela bolota querendo subir pela garganta e fazendo pressão dentro da sua cabeça com a sensação quente dos olhos formigando....
 Tocou as pálpebras com a ponta dos dedos, vacilante, e sentiu o toque geladinho da gota de água se evaporando na sua pele, o sal restando.
 Como o chover sobre pedras de uma calçada suja.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Um pássaro, hoje, morreu enforcado num fio de eletricidade, no cruzamento da Rua dos Pinheiros com a Rua Capitão Antônio Rosa, por volta das sete da manhã. Eu, que vinha andando com olhos fundos querendo voltar para a cama, lacrimejando por causa do vento frio da manhã, e um pouco pelo ar sujo dessa cidade, que é ácido nos olhos, me deparei, num salto, com essa cena incomum.
O pombinho pendia do fio elétrico entre dois postes, amarrado no pescocinho por um outro fio bem mais fino, as perninhas torcidas e encolhidas com agonia, um asa recolhida, e a outra, meio despenada, balançando molemente.Ventava, e o vento fazia o pombo balançar como um pêndulo. 
Numa avenida de asfalto, era só mais um ponto cinza, ainda que destoasse. 
Gastei um tempo supondo motivações para que um pombo terminasse, ou melhor, começasse o dia desesperadamente morto e  dependurado num fio elétrico da capital.Teria sido enforcado, o bichinho?
Macumba, talvez.
Não sei.
A verdade é que aquilo bateu fundo no fundo do meu estômago. Eu, que não exatamente pertenço a essa cidade suja, me acostumei à vida de metrópole carregando um passarinho, que é meu, para todo o lado.Escondido dentro da minha garganta, o passarinho vive me pedindo, num cantar tristinho, que o leve de volta às árvores da nossa cidade. Quer ver o verde verdadeiro de lá, quer voltar para poder voar sem medo, e me suplica com pios que só eu escuto, e que me consolam da tristeza de estar só como nenhuma outra coisa que conheço o faz.
A gente pensa: tudo bem, eu aguento esse mundo traidor. A gente esconde um canário ou um pardal dentro da garganta, mesmo ele se sacudindo todo, querendo sair, bicando e arranhando com as unhas. A gente acha que ele está a salvo, mas sempre existe alguém para enforcar um pombo que seja e exibí-lo, cadáver, em praça pública.
Eu, que venho andando, paro. Olho o pobre bichinho, exposto aos bravos cidadãos trabalhadores e apressados, e o meu passarinho, até agora preso em mim, dá um berro de dor, se agita, me arranha, sacode as asas e voa como um louco para fora da minha boca. Sabe-se lá para onde vai, mas deixa meus olhos cheios da água tão suja das calçadas, alcança os ares que o empurram para o alto, e some, longe, longe, no cinza amarelado do céu.


segunda-feira, 17 de maio de 2010

O POEMA DA MINHA MÃE

A transparência desta janela
aos poucos me fez refletir
Tudo o que me aconteceu 
sem que pudesse decidir

Alguns caminham depressa
na expectativa da noite
Outra cena urbana de um dia que se finda

Das janelas que abri
algumas se partiram

Dessa que observo agora
sinto o reflexo me atingir
desnudando impiedoso
a realidade de uma vida

                                   Marisa  
                                              (minha mãe!)